Caneta

Tiago Zarowny
2 min readJun 6, 2024

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Todo dia antes de ir embora eu guardo minha caneta e meu lápis. Como numa tentativa de sair por completo. De não ficar. Como se levando minha caneta comigo eu não precisasse mais voltar pra buscar, e logo não precisaria voltar por motivo nenhum. Mas isso não é verdade. Eu sempre vou precisar voltar. E mesmo assim, levando as canetas embora, no outro dia eu volto. Amanhã vou voltar e depois de amanhã e depois e depois e assim indefinidamente por tempo indeterminado. E mesmo voltando, ainda todo dia levo embora minha caneta e meu lápis.

E não os uso fora daqui. Não preciso deles pra nada. Eu os levo é na tentativa de não ficar. Como se algo em mim não quisesse aceitar que agora é aqui que fico. É aqui que minhas canetas vão morar e é aqui pra onde volto. E tenho medo de lugares pra voltar. Se aqui é lugar pra volta, é também lugar pra onde um dia deixarei de voltar. Se eu jamais ficar, nunca vou precisar não voltar pra algum lugar que é meu. E ao mesmo tempo nao terei lugar algum.

Aceitar que nao mereço aqui ou ali me dói. Me é difícil de me colocar nesse lugar. Porque lugar nenhum é meu. E no entanto existem lugares onde minha caneta quer ficar, onde ela quer posar porque sabe que no dia seguinte eu estarei de volta e cuidarei dela.

E eu nao quero deixar ela lá, não quero. Mas ao mesmo tempo sei que de todas as vezes que deixei a caneta lá, nunca me arrependi. Deixar a caneta é exercício de estar vivo, de viver e de trocar. De habitar e de compartilhar. Deixei as canetas e as deixo porque e aqui pra onde volto. E volto porque vivo e vivo porque é natural habitar lugares e deixar de habitá-los volta e meia. E em todas essas moradas haviam canetas que deixo, que busco, que uso e que esperam por mim. E que dá medo de deixá-las por si só. Dá medo de perdê-las ou de voltar pra onde nunca foi o meu lugar. De deixá-las desamparadas pois ali eu nunca de fato habitei pra deixar um pedaço meu.

Todo dia eu levo minhas canetas embora e todo dia eu as tiro do penal, e todo dia eu as guardo outra vez. Porque tudo me diz que é aqui. Mas meu coração é a minha caneta e eu a levo comigo a todo o tempo.

Às vezes me convenço a deixar, mas sempre quando é a hora guardo tudo e vou embora.

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