Bom dia

Tiago Zarowny
2 min readDec 15, 2022

--

Do lado de fora fazia zuuuuummmmmmmmmm e eu não consegui dormir não consegui dormir e não consegui dormir e não consegui dormir de novo e por fim não consegui dormir. Passou a ser dia e eu passei a habitar um mundo onde ninguém habita. Sempre falo muito de mundos e mais uma vez conheci um mundo outro que na verdade continuava sendo o mesmo. E esse mundo era de manhã. Uma manhã que funcionava como um resquício da noite que tenho medo. Não gosto da noite, tenho medo. E essa manhã mantinha algo dessa noite, um desabitar trazido da noite, mas banhado por uma luz clarinha clarinha. E eu estranhei mas achei muito interessante habitar o mundo que acontece de manhã assim bem de manhã quando não há absolutamente nada nem ninguém em lugar nenhum. E ao mesmo tempo todo mundo ainda está. Eu sempre estive. Mas nunca havia habitado esse mundo desse jeito.

E num lapso estranho de vontades esquisitas que faz a gente se mover de jeitos que não entende completamente habitei esse mundo e nele percebi que faz silêncio. Faz silêncio e a gente escuta o som dos nossos passos, o som dos nossos pensamentos e o som de muitos passarinhos.

E eu fui, fui como sempre havia ido e percebi que o meu treinamento pra olhar pra canto nenhum não era muito efetivo. A manhã faz as pessoas olharem nos olhos. Fiz fortaleza e quis ser só dentro de mim, mas o olhar do outro me invadia aos pouquinhos. O olhar invadia e trazia consigo dizeres variados de “bom dia”. E na primeira vez que ouvi me assustei e por razão desconhecida quis chorar. Um choro bobo sem razão, pelo fato de se ser percebido. Pelo fato de se perceber que de manhã não sou invisível. O olhar do outro me atravessava e me atropelava com bom dias. E eu que me achei tão invisível no mundo onde ninguém habitava e onde só morava o som dos meus passos, descobri um mundo onde quem habita vê. E acho que me senti visto.

Senti o tempo ficar todo desconjuntado e me autoatropelei, toquei violino enquanto barcos enormes afundavam e no fim acabei sem força pra nada e depois de tanto movimento me descobri no mesmo lugar onde estive por muito tempo esse ano. Esgotado. Precisando fazer nada, precisando me escorar em batentes de porta enquanto faz escuro e dizer pra mim mesmo “poxa” e dar uma risadinha. Percebi também como a minha saudade do esgotamento é boba. Mas perceber, saber, entender ou reconhecer não faz nada porque aquilo que se sente se sente.

--

--